Paula Sibilia, seguindo reflexões do sociólogo português Hermínio Martins, apresenta interessantes questionamentos sobre atuais processos de hibridização homem-tecnologia pelo viés de uma tradição “fáustica” do pensamento ocidental, uma vez que, como apontada no texto, essa relação pretende uma ultrapassagem das limitações da organicidade, destacando a construção de um ser híbrido “pós-biológico”, misto de corpo humano e artifício técnico. O homem pós-biológico almeja se desvincular das restrições espaciais e temporais ligadas à sua materialidade orgânica, para atingir a virtualidade e a imortalidade. Nesta lógica, o corpo deve tornar-se imortal para se adaptar (Stelarc), no contrário, o corpo humano, na sua antiga configuração biológica, estaria tornando-se obsoleto. Considerando que a evolução tecnológica seria dez milhões de vezes mais veloz do que a evolução biológica, como pretender que o velho corpo humano não se torne obsoleto?
Em oposição à tradição “prometéica”, que pensa a tecnologia como a possibilidade de estender e potencializar gradativamente as capacidades do corpo humano, a corrente fáustica enxerga na tecnociência a possibilidade de transcender a própria condição humana. O homem-pós-biológico estaria em condições de superar as limitações impostas pela sua organicidade, incluindo as doenças, o envelhecimento e até a morte. O “cyborg” seria o agente da sua própria evolução pós-orgânica. Entregue às novas cadências da tecnociência, o corpo humano parece ter perdido sua definição clássica, tornando-se permeável, manipulável, projetável. Mark Dery acrescenta que estamos em condições de transcender as limitações das espécies particulares, combinar e programar as virtudes de diferentes espécies, ou seja, a criação de novos seres transgênicos. Em outras palavras, o homem agora tem condições de se auto-criar, de produzir seu próprio corpo, administrando a sua pós-evolução, através do arsenal de artifícios da tecnociência. Que tipo de saber é esse, que faz do corpo humano um objeto da evolução pós-biológica? A título de provocação, a autora compara tal fenômeno com o famoso mito Frankenstein por ser aquele rapaz que conhecia o suficiente de magia para iniciar um processo, mas não o suficiente para interrompê-lo no momento apropriado.
A tradição fáustica constitui uma das linhas de pensamento sobre a técnica, que pode ser detectada nos textos de diversos autores dos séculos XIX e XX. Nela é possível detectar fortes tendências “gnósticas”, que rejeitam a organicidade e a materialidade do corpo humano, procurando um ideal ascético, artificial, virtual, imortal. A tradição fáustica esforça-se por desmascarar os argumentos prometéicos, afirmando que o caráter da ciência é essencialmente tecnológico tanto no plano conceitual quanto no ontológico. Existiria um “programa tecnológico oculto” no projeto científico, explica Martins. Apontando para uma ruptura com relação ao pensamento moderno, o sociólogo declara que o atual projeto tecnocientífico está norteado por um impulso insaciável e infinitista para a apropriação ilimitada da natureza, tanto exterior quanto interior ao corpo.
Em oposição à tradição “prometéica”, que pensa a tecnologia como a possibilidade de estender e potencializar gradativamente as capacidades do corpo humano, a corrente fáustica enxerga na tecnociência a possibilidade de transcender a própria condição humana. O homem-pós-biológico estaria em condições de superar as limitações impostas pela sua organicidade, incluindo as doenças, o envelhecimento e até a morte. O “cyborg” seria o agente da sua própria evolução pós-orgânica. Entregue às novas cadências da tecnociência, o corpo humano parece ter perdido sua definição clássica, tornando-se permeável, manipulável, projetável. Mark Dery acrescenta que estamos em condições de transcender as limitações das espécies particulares, combinar e programar as virtudes de diferentes espécies, ou seja, a criação de novos seres transgênicos. Em outras palavras, o homem agora tem condições de se auto-criar, de produzir seu próprio corpo, administrando a sua pós-evolução, através do arsenal de artifícios da tecnociência. Que tipo de saber é esse, que faz do corpo humano um objeto da evolução pós-biológica? A título de provocação, a autora compara tal fenômeno com o famoso mito Frankenstein por ser aquele rapaz que conhecia o suficiente de magia para iniciar um processo, mas não o suficiente para interrompê-lo no momento apropriado.
A tradição fáustica constitui uma das linhas de pensamento sobre a técnica, que pode ser detectada nos textos de diversos autores dos séculos XIX e XX. Nela é possível detectar fortes tendências “gnósticas”, que rejeitam a organicidade e a materialidade do corpo humano, procurando um ideal ascético, artificial, virtual, imortal. A tradição fáustica esforça-se por desmascarar os argumentos prometéicos, afirmando que o caráter da ciência é essencialmente tecnológico tanto no plano conceitual quanto no ontológico. Existiria um “programa tecnológico oculto” no projeto científico, explica Martins. Apontando para uma ruptura com relação ao pensamento moderno, o sociólogo declara que o atual projeto tecnocientífico está norteado por um impulso insaciável e infinitista para a apropriação ilimitada da natureza, tanto exterior quanto interior ao corpo.
IMORTALIDADE: para além do TEMPO humano.
“Tecnicamente, não haveria mais razão para morrer (...) O corpo não precisa mais ser consertado; suas peças serão simplesmente repostas”. (Stelarc)
Várias limitações biológicas ligadas à materialidade do corpo humano pertencem ao eixo temporal da existência humana. A tendência fáustica, nesse sentido, está bem representada pelas atuais descobertas e projetos na área das biotecnologias (transgênicos, clonagem, genoma), que colocam o arsenal cientifico-tecnológica na luta contra o envelhecimento e a morte. Segundo o próprio Hermínio Martins, as biotecnologias criar novas formas de vida. É a vocação transcendentalista que enxerga no arsenal tecnocientífico a possibilidade de ultrapassar as limitações inerentes à condição humana.
Sibilia coloca que, segundo Martins, a tecnociência contemporânea redefine as antigas fronteiras de seres naturais como matéria puramente manipulável, instalando a criação de combinações do orgânico e do inorgânico, do natural e do artificial, do humano e do não-humano. Nesse marco, a sociedade atual assiste ao surgimento das mais variadas “visões tecnofânicas”, aspirantes a um saber quase divino, capaz de controlar a vida superando todas suas limitações tipicamente orgânicas. Inclusive a mais fatal de todas elas: a mortalidade. No processo de hibridização com as máquinas, o corpo humano poderia se livrar da sua natural finitude.
Sibilia coloca que, segundo Martins, a tecnociência contemporânea redefine as antigas fronteiras de seres naturais como matéria puramente manipulável, instalando a criação de combinações do orgânico e do inorgânico, do natural e do artificial, do humano e do não-humano. Nesse marco, a sociedade atual assiste ao surgimento das mais variadas “visões tecnofânicas”, aspirantes a um saber quase divino, capaz de controlar a vida superando todas suas limitações tipicamente orgânicas. Inclusive a mais fatal de todas elas: a mortalidade. No processo de hibridização com as máquinas, o corpo humano poderia se livrar da sua natural finitude.
VIRTUALIDADE: para além do ESPAÇO humano
Outro leque de limitações que as potencialidades orgânicas do corpo está inscrito no eixo espacial da existência. O atual “imperativo da conexão” representa esta tendência, estimulado pela abundante oferta de dispositivos e serviços da área informática e das telecomunicações. O corpo humano hoje é entendido como informação: ele é um banco de dados, um código, um conjunto de instruções programáveis. Nesse sentido, ele também pode sofrer upgrades, pois as criações tecnocientíficas prometem libertá-lo dos seus limites biológicos, obsoletos, superando assim a sua organicidade animal para se tornar mais compatível com o tecnocosmos que o circunda.
Estaríamos deixando de ser robôs para virarmos cyborgs? Enquanto o corpo-máquina, característico da era industrial, fica obsoleto, começa a surgir o corpo-informação, o sujeito da sociedade pós-industrial. Nesta nova face do capitalismo global, cuja base já não reside tanto nos produtos materiais quanto na informação, com a ênfase perpassada da produção para o consumo, assistimos a uma virtualização generalizada dos valores.
Neo-Gnosticismo
Transcender (radicalmente) a humanindade, intenção clara do texto, trata-se de ultrapassar os parâmetros básicos da condição humana (finitude, contingência, mortalidade, corporalidade, animalidade, limitação existencial) aparece até como uma das legitimações da tecno-ciência, conforme Hermínio Martins. É fáustico o tecno-transcendentalismo associado aos discursos sobre o nascente homem pós-biológico, e ele está notoriamente impregnado daquilo que Martins denomina gnosticismo científico-tecnológico: horror ao orgânico, repugnância pelo corpo, aversão pelo natural. A tecnologia informática e das telecomunicações parece disposta a realizar sonhos neo-gnósticos, pois, com a sua tendência virtualizante, a aparelhagem digital converte tudo em “informação”, inclusive os próprios corpos humanos.
O texto adota a terminologia proposta por Martins que é neognóstica esta rejeição da materialidade orgânica e esta vontade de “virar luz”, ultrapassando as limitações temporais e espaciais ligadas ao fato de sermos demasiadamente orgânicos. De acordo com esta tendência, então, estaríamos virando pós-orgânicos e, com isso, “pós-humanos”, apontando para a imortalidade e a virtualidade.
Dos “corpos dóceis” aos “corpos ligados”
Quais são as implicações políticas e econômicas destes processos, numa sociedade voltada para a produção de consumidores dos mercados globalizados? Que tipo de corpo e que tipo de sujeito estão sendo criados na nossa “sociedade tecnológica”? Parece-me que o que é aquilo que estaríamos nos tornando, ainda é uma pergunta sem resposta. O direcionamento da criação dos seres humanos é a grande interrogação que nos restaria.
Ao mudar o foco da produção para o consumo, a sociedade ocidental já não parece precisar tanto daqueles “corpos dóceis” destinados a alimentar aos serviços industriais, quanto de novos tipos de corpos dispostos a consumir os produtos pelo novo capitalismo de superprodução. Corpos que intimam com a tecnologia: corpos ligados, conectados, hiper-estimulados e aparelhados pela tecnociência, permanentemente ameaçados pela obsolescência; corpos fáusticos.
Sobre as sociedades de controle, indicou-nos Deleuze que as novas tecnologias inauguraram instâncias subjetivantes capazes de substituir as velhas instituições das sociedades disciplinares. Caberia refletir, então, acerca do papel desse novo sujeito aqui analisado, o homem biotecnológico e teleinformático de vocação fáustica. Quais seriam as suas limitações, e quais as suas opções de resistência e de criação? E, por fim, a grande indagação do “Como manter-se vivo?” - Replicante Roy (Blade Runner), aqui não é mais a mera questão, mas sim o porquê e para que se manter vivo, se tudo a que nos cabe ou a que nos é útil é manipulável, controlável; se podemos recriar, combinar, redefinir novas espécies ou ainda nosso próprios e novos corpos?