8 de abr. de 2008

Sigam-me os bons!!!


"Medo de fugir da raia na hora H. Medo de morrer na praia depois de beber o mar. Medo... que dá medo o medo que dá." (Lenine)


O que se pretende da vida, em nossos dias? Realização, gozo (mesmo que imediato), felicidade a todo custo, busca de sentido pra algo que nem sequer chegamos a sentir de verdade. Cria-se, a partir disso, a ilusão simplória do querer sempre mais e acabamos recorrendo a subterfúgios que parecem nos garantir algum prazer ou fazem-nos esquecer das decepções.
O mito da liberdade parece guiar-nos nesse sentido. A felicidade se afeiçoaria com a possibilidade de, que a liberdade trás consigo. Ser livre, nesse sentido, diria respeito a se fazer o que quisesse, quando bem quisesse. E quanto maior a realização, maiores as possibilidades de ir adiante.
Por outro lado, como aponta Antonio Cícero, também se pode pensar ser livre na modernidade como a negação (ou melhor, abnegação). É aí que entrariam os tais subterfúgios: alcançar as benesses da modernidade somente seria possível àquele que nega a sua condição de questionador, de inquiridor: chega-se à liberdade, desde que respeitadas o limite que ela nos impõe.
Não seria possível, então, provar-se livre. Querer isso é se assumir como escravo. Ou seja, o desejo de reafirmar-se é antes o desejo de mudar e aquele que deseja mudança não É, quer SER. Lembrei na hora do peixinho no aquário: seria mais útil ser limitado pelo vidro protegido ou ser arremessado na imensidão desconhecida do mar?
Fiquei encucado e mostrei o texto para Elen (do 5º período) e para um colega. Ela, como boa cristã que é me respondeu que a "ignorância é feliz". Já ele, preferiu não comentar, disse que esses textos "de psicólogo" causam embaraço na cabeça. Fiquei com uma dúvida: será que matei a liberdade dele?

*Texto "Astúcia do Diabo", de Antonio Cícero, retirado do endereço: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0504200836.htm

6 de abr. de 2008

Pensando o corpo e sua construção na contemporaneidade.

Pensar o corpo e sua construção na contemporaneidade é, primeiramente, partir da premissa de que muito já se escreveu sobre este. Isto nos leva a encará-lo como algo não unitário, já dado em si, mas que se apresenta enquanto múltiplo, visto que várias foram as metodologias utilizadas para estudá-lo. Esse caráter múltiplo do corpo já o coloca em uma posição de não ter uma natureza pré-fixada, mas que ela se constrói ou que é construída. O corpo é produto de uma construção moral pautada nos mais variados momentos históricos. Cada um desses momentos fixa determinados valores que servem de referência para estas construções e que também limitam a ação dos corpos, dizendo o que ele pode ou não fazer.
O modo com cada um de nós percebe, sente, se relaciona com o corpo está ligado ao modo de vida, ao nosso modo de existência. E por isso torna-se necessário saber ou refletir sobre que tipo de idéias se têm sobre ele. Como já foi dito, estas idéias se produzem a partir dos variados atravessamentos de acordo com a época histórica em que se está inserida. Nas mais variadas épocas históricas e nas mais variadas culturas a relação do sujeito com o seu corpo se dá de maneiras diferentes. Por exemplo, na Idade Média (Rodrigues, 1999) a idéia que se tinha do corpo era de que era um corpo que abarcava a vida e a morte, esta não era vista como algo fora do corpo, fora da vida. A morte era vista como um ponto da vida em que entrávamos num sono profundo, para um despertar posterior, tendo isto um caráter religioso. A própria relação com o divino era encarada de uma forma direta: O Individuo cristão e Deus. Não era necessário, para se sentir falando com Deus, de um intercessor terreno, como um padre. As próprias confissões, geralmente, eram feitas diretamente a Deus, pois acreditava-se na misericórdia divina para a remissão dos pecados dos que se reconheciam como pecadores.
Desde a Idade Média a confissão tem um papel importante na sociedade ocidental, sendo utilizada como técnica de obtenção de verdades sobre si, uma verdade que denunciasse os pecados. Mas pouco a pouco, as coisas vão mudando. A confissão perante um clérigo passa a ser essencial e dependia deste o perdão ou não dos pecados. A confissão passa a ser expandida para outras áreas sociais, servindo ainda nesse ponto de técnica de obtenção de verdade sobre si, sendo utilizada no campo da justiça, em interrogatórios, etc. Passa-se a exigir que se falasse sobre si, que se confessasse cada pensamento, sonho, desejo, via-se isso como uma prática de penitência: cada um confessava suas verdades mais íntimas, mais pecaminosas. Mas era um tipo de confissão que ficava no plano da enunciação, que não se arquivava. Com a expansão da técnica para outras áreas como a medicina, a psiquiatria e a pedagogia, passou-se a arquivar as informações obtidas nas confissões, a solidificá-las, a categorizá-las. Os rituais de confissão saem de um plano religioso para adentrar esquemas da regularidade científica.
Até certo ponto a confissão com bases religiosas buscava que o sujeito falasse sobre sua verdade, sobre si, algo que o denunciasse um ser pecaminoso, um corpo do pecado. Já com a ciência no meio, o que se busca não é mais uma verdade escondida pelo próprio sujeito, mas uma verdade que há nele, mas este desconhece e isso se dá num processo onde participam um Interrogador e o Interrogado. Assim a confissão passa a ser um movimento de produção de verdade científica. E nessa relação de Interrogador X Interrogado, aquele que escuta, alem de dono do perdão (no caso religioso), é dono da verdade sobre o sujeito. Através da confissão, da interpretação desta, se produz um discurso de verdade, uma verdade sobre o corpo.
As verdades sobre o corpo, sobre a “melhor” forma de usá-lo para um bem-estar tanto individual como social, passam a ser ditas por terceiros, tendo como suporte a Ciência. Desenvolve-se todo um conjunto de dispositivos que servirão para gerir nosso modo de viver, de utilizarmos nossos corpos. Segundo Foucault (1997) o poder sobre a vida desenvolve-se, a partir do Séc. XVII, de duas formas: uma que via o corpo como uma máquina e a partir de dispositivos disciplinares assegurava-se esse poder, que visava um adestramento, ampliação das aptidões e docilização dos corpos; e a segunda, já no Séc. XVIII, partia de uma visão de um corpo biológico, de uma bio-política da população (controle de natalidade e morte, nível de saúde, etc.). Os dispositivos disciplinares se espalham pelos meios sociais: escolas, casas, ateliês, hospitais, etc., e as praticas políticas e econômicas já se preocupam com a regulação da população. É a era do Bio-Poder.

Esse bio-poder, sem a menor duvida, foi elemento indispensável ai desenvolvimento do capitalismo, que só pôde ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos econômicos. (Foucault, 1997:132)

Com o aperfeiçoamento destas técnicas de poder sobre o corpo, com o passar do tempo, cada vez mais se direciona os modos como se deve ou não usar o corpo, isto é, os modos como devemos viver. E esses modos têm como sustentação a força valorativa de uma verdade produzida pelo conhecimento científico, este estando muito próximo dos valores pregados por um modo de vida capitalística. Sendo assim se produzem corpos que só fazem isso ou aquilo se estiverem dentro das normas ditas como corretas, não se permite um tipo de vida onde se experimentam outras formas de se viver. Não se dá um passo, hoje em dia, sem se consultar o especialista (detentor da verdade) sobre a forma correta de se dar um passo adiante. Vivemos cada vez mais numa sociedade onde não mais sabemos como viver, sem que alguém dotado de um saber valorizado, nos diga como viver. A cada instante surgem novos especialistas da vida que dirão como devemos viver e isso vai desde a melhor posição para dormir, como devemos nos comportar dentro de um elevador junto a outras pessoas, qual a melhor forma de se trepar e – se brincar – até como devemos piscar nossos olhos. E o pior de tudo é que acreditamos nisso. Deixamos nas mãos dos outros as decisões sobre nossas vidas.
Portanto seria muito interessante criar-se um campo de discussões sobre estas questões que envolvem o pensar o corpo e sua construção na contemporaneidade. Segundo alguns autores como Foucault (1984) e Mangueira (2001), uma perspectiva voltada para uma discussão ética aponta como tais relações podem instituir e naturalizar certas práticas, determinando formas específicas de experienciar o mundo. Dentro dessa temática acreditamos que a prática do profissional em psicologia também visa entender como se á a produção dos corpos na contemporaneidade, ao mesmo tempo em que se transforma em um exercício de desnaturalização de tais conteúdos valorativos.


Eu usei para esse texto as seguintes referencias:


Foucault, M. A Historia da Sexualidade I: A vontade de saber. 12ª ed. Rio de Janeiro, Edicoes Graal, 1997.

__________. A Historia da Sexualidade II: O uso dos prazeres. Rio de Janeiro, Ediçoes Graal, 1984. (esse foi só a introdução)


Rodrigues, Jose Carlos. O Corpo na História. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1999. Pg 121 - 135.


Mangueira, M. Microfisica das Criaçoes Parciais. São Cristovao: Editora Ufs, Fund. Oviedo Teixeira, 2001.
___________. Alguns conhecimentos elaborados até o presente momento pelas ciencias humanas a respeito do homem: as quatros dimensões do corpo do homem.