5 de mar. de 2008

"uma entrevista cartografada"

Para ser um entrevistador tem-se que, antes de tudo, estabelecer uma posição de cartógrafo; assim como fala Suely Rolnik em seu livro “Cartografia Sentimental – transformações contemporâneas do desejo”. Cartografar é acompanhar a transformação da paisagem (Rolnik, 1989. p. 15), é transformar e transcrever junto com quem se modifica, é movimentar-se junto com os movimentos de quem é cartografado.
As cartografias mostram as transformações dos mundos de cada um, seus desdobramentos, abandonos de formas antigas, recuperações de mundos passados, criação de novos mundos. Todas essas movimentações são motivadas pelo desejo, ele é o “processo de produção de universos psicossociais” (Rolnik, 1989. p. 25). Ele é o início, a intensidade que transforma e produz, trabalhando com os elementos mais diversos dos quais tem acesso.
A transformação e a produção de mundos têm um elemento diferencial, eles possuem processos visíveis e invisíveis que produzem algo que Rolnik chama de “máscaras”, não falsidades ou omissões, mas sim, faces que se apresentam de diversas maneiras e que podem mudar a qualquer momento, “a máscara funciona como condutor de afeto (...) ganha espessura de real, ela é viva e, por isso, tem credibilidade: é verdadeira” (Rolnik, 1989. p. 31). Quem olha de fora, só consegue enxergar a máscara já constituída, o indivíduo transformado que se apresenta ao mundo, mas, um cartógrafo, que está em busca de acompanhar essa transformação, percebe também seus elementos mais discretos, os desejos, os afetos que levam à mudança e à criação. O cartógrafo acompanha o visível para descobrir o invisível.
E está aí a principal diferença entra a cartografia e o mapa, mapear é descrever o que já aconteceu, depois de modificado. Cartografar é acompanhar a modificação em todas as suas fases, seus momentos, seus movimentos de transformação; dessa forma, uma cartografia pode demonstrar intensidades e afetos que se manifestam, mesmo estes não aparecendo no plano visível, pois ela os acompanha na medida em que segue o movimento de criação.
Sendo estas máscaras, posições que se pode estabelecer no mundo, elas podem ser várias, se modificar e adaptar-se ao externo a qualquer momento. Para que isso aconteça, são necessárias três movimentações: primeiro o desejo deve ser gerado e tornar-se capaz de ser exteriorizado, deve haver atração de afetos. Essa atitude, em certa medida, depende de um cartógrafo-entrevistador, ser capaz de manter uma relação com quem entrevista na qual os desejos e as intensidades sejam trazidos à tona e possam materializar-se em máscaras. O que a experiência da entrevista veio proporcionar foi isso, a materialização dos afetos para que o interior se tornasse visivelmente presente; e sem a manutenção do ambiente em que os afetos podem sentir-se “livres”, não é possível que isso aconteça.
Num segundo momento, está presente no entrevistado a sensação de habitar o espaço, de poder representar suas máscaras livremente, sem precisar modificá-las a maneira do cartógrafo, mas sim, do seu desejo. Está-se dentro da entrevista, as respostas fluem e as perguntas são construídas acompanhando a trajetória do que é respondido, buscando-se, cada vez mais, a presença dos afetos no ambiente.
Se o segundo momento não se completa, o terceiro não aparece. Este último movimento é aquele da “territorialização” de transformar e manifestar afetos e desejos, de construir o mundo. Por vezes, acontece em meio à passagem do segundo momento para o terceiro, um estranhamento; mas o entrevistador-cartógrafo deve trabalhar para que isso seja positivo, pois, é através do contato com o estranho e com o diferente que os mundos se transformam e se renovam. O estranhamento com uma pergunta permite um pensamento sobre ela, uma opinião que será inovadora, nunca pensada, uma posição que se forma enquanto se pergunta e o cartógrafo-entrevistador acompanha tudo isso acontecer, presenciando a criação das máscaras dos afetos do início, quase em contato com o próprio desejo. O desejo passa a estar em contato com o momento da criação e da percepção do entrevistador.
Em cada situação e vivência que presenciamos, colocamos novas máscaras, elas nos ajudam a interpretar e dialogar com o externo, de forma que a atração dos afetos tornem-se materializadas e algo possa acontecer, como um diálogo em uma entrevista, por exemplo. Nem sempre somos os mesmos, não agimos da mesma forma sempre e cada forma de agir depende da atração e da intimidade dos afetos que se encontram, cada forma de criação é um mundo, uma realidade que se estabelece para aqueles que se afetam. E, por sua vez, cada mundo é uma realidade que transcende um plano individual e atinge a existência do social, o desejo, que parece tão íntimo, não se encontra separado da realidade do social, mas sim, é projetado para ele.
Desejar é adaptar sua máscara ao social que lhe é apresentado, obedecer à troca de intensidades dos afetos, mas de forma que se configure como, realmente, uma troca; um consentimento mútuo de afetos que podem se complementar e não se anular, complementação do desejo com o social, com a realidade.
Esse foi o trabalho e a experiência da entrevista: cartografar, acompanhar os movimentos como eles se apresentam, na sua gênese e na sua transformação; ser acompanhante ao mesmo tempo em que transformador do existente. Ter por caminho apenas o desejo e por guia, os afetos; conduzir uma cartografia e transformar e produzir um mundo.

7 comentários:

Kleber disse...

Esse texto está em questão como uma experiência de análise dos modos de subjetivação contemporâneos. Ele deveria articular uma entrevista a um universitário que versava sobre relações de amizade, modos de consumo e de identificação na atualidade com a metodologia disposta por Suely Rolnik em seu cartografias Sentimental. Instala-se um labconversas para discutir o que foi feito e o que mais se poderia fazer nesse sentido. às fals, então! Abraço!

Andressa disse...

Adorei o texto Kleber!! Posso dizer que foi bastante esclarecedor, apesar de ter, obviamente, boa parte do que já tinha lido numa parte da leitura do primiero livro de Cartografias Sentimental. Apesar do livro aparentemente ter pouco espaço de leitura, frases pequenas e letras até que grandes em relação a outros livros, ele é de uma leitura não tão simples, diria até densa, mas não impossível de compreender. Porpem abre brechas para dúvidas, dúvidas estas que ficaram mais brandas com esse texto. Fiquei mais tranquila e acho que começo a visulaizar mais a análise que será requisitada futuramente. Mas ainda receio em de conseguir apreender ou lembrar do misto de sensações que foi as entrevistas...tentarei resgatar isso nas que irei transcrever. No mais, espero esclerecer mais com essa lsbconversas. hehehe Valeu! Inté

Bruna_ disse...

Uma das coisas que mais me chamou a atenção no livro foi a explicação dada ao que se seria uma cartografia,o fato de acompanhar e se fazer ao mesmo tempo em que há a desmachamento de certos mundos e formação de outros... A partir disso me veio a seguinte dúvida...Será que pelo fato de termos entrevistado, todos nós conseguimos ter sido cartógrafos?

Anônimo disse...

Acho que na medida em que questionamos e não ficamos atados à uma entrevista já estruturada, somos cartógrafos, Bruna ^^

E, outra, eu acho que o trabalho não é só esse, de questionar durante..mas ele se perpetua na interpretação do que foi dito. Acho que também na interpretação a cartografia pode ser construída.

Kleber disse...

Sobre o texto: ok! Mas e a entrevista, cadê a entrevista no texto seu cartógrafo. A boa escrita do texto escondeu a análise da entrevista, os seus momentos. Acho que é importante verificar isso em cada análise que foi produzida e ainda não está em discussão.
abraço!

Jade disse...

eu segui um caminho bem diferente do de rafaela... eu n�o sabia bem o que era pra fazer... a� me concentrei muito no que foi dito tentei relacionar a uns conceitos no livro, mas acho que isso foi um erro, n�?
tamb�m falei sobre os erros que eu achava ter comentido... e o texto t� todo em primeira pesssoa...

Anônimo disse...
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