3 de mar. de 2008

Precisamos perguntar!

“Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer meu amigo, que uma nova mudança, em breve, vai acontecer. E o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer” .
(Belchior – Velha roupa colorida)

Esse pequeno fragmento do cancioneiro popular cearense aponta que na década de 70, já se antecipava à condição juvenil, a circunstância RE. Rejuntar, refazer, repensar, reviver, reatar, rejuvenescer. RE em tudo que aparecia, de modo a modificar a aparência.
Pois bem, de lá pra cá, o RE passou a ser usado com maior freqüência e também a significar um estrato de tempo cada vez menor. Se lá (anos 70) a (re)atualização indicava uma ruptura com a década que ficara pra trás, hoje não seria exagero supor, que se luta para deixar de ser o dia de ontem. Muita velocidade para experimentar a vida. Não dá tempo. Re-experimentar talvez permita saber melhor. Não há tempo. É isso que se vive.
Sevcenko (2001) nos apresenta a vida agora como um passeio no loop da montanha russa. Lá o tempo sequer se conta como experiência. Um quase surto.
É disso que trata Suely Rolnik (1997) em Toxicômanos de identidade: subjetivação em tempo de globalização. Suely aponta que as subjetividades se produzem em meio a afetos cambiantes, embriagados pela aceleração das coisas pulverizadas no ar, coisas líquidas como diria o Bauman (2004). Qualquer coisa hoje parece habitar a condição líquida. Contrapartida dessa liquefação nos modos de existir, persiste nas pessoas a vocação moderna de constituição de uma “referência identitária”. Crise que se intensifica, acentua Rolnik. Como ser, onde pelas condições de vida, já não se permite a estabilidade da experiência de ser?
A impossibilidade de ser moderno tenciona a experiência de quem se vê às feras no pós-moderno mundo RE. Aí só enchendo a cara ou coisa que o valha. Surgem os toxicômanos da identidade, onde tudo vale para SER, mesmo que esse ser seja ilusório ou líquido. Psicotrópicos, maconha, cocaína, álcool, tv, internet, literatura de auto-ajuda, esportes radicais, igrejas-show, dietas, definição corporal, cirurgias estéticas, etc e etc. Tudo isso e mais outros tantos dispositivos que vendem a ilusão de ser, se apresentam à experiência humana contemporânea. Esses dispositivos são recursos à disposição de um sujeito com medo, que anseia por ser.
Esse parecer ser o diagnóstico de Rolnik (1997). Consumo que se intensifica para produzir uma identidade ou representação de si. Diante do terror desse modo de existência que se generaliza, Rolnik teme pela ética na vida. Como um sujeito tomado pela carência pode por em questão sua vontade? Resistir é preciso, mas como? Como resistir sem uma verdade dura? "Hay que endurecer-se Pero sin perder la ternura jamás!" diria Che. Mas ternura como? O que dizem as pessoas da amizade que mantém, da necessidade de identidade para ser reconhecido e de consumo para se sentir inserido na vida. Precisamos perguntar.

RB.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
ROLNIK, Suely, Toxicômanos de identidade: subjetividade em tempo de globalização. In LINS, Daniel. Cultura e subjetividade: saberes nômades. Papirus: Campinas, 1997 (19-24)
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

3 comentários:

Andressa disse...

É, que você postou Kleber só reforçou mais aqui que estava dizendo e pensando: o fato das pessoas viverem um mundo em que nada parece fixo mas ao mesmo tempo se procura o mínimo de fixo, mesmo que dure pouco. O problema que foi apontado tb é que o sujeito quer ser tantas coisas que se oferecem num mercado, mas será realmente de sua vontade? Acredito que não, tendo vista que são "artigos já previamente selecionados de um mercado fechado". Apesar disso, pensa-se ser possível inventar. O tal devir, mas de onde surgiriam essas linhas de fuga? Seria interessante se esse RE fosse antes de uma "ruptura com a década que ficara pra trás", fosse uma REvolução, algo como mudar não só se baseando pelo que passou, mas mudar uma lógica e tentando evitar um eterno retorno das coisas, uma eterna reprodução.
Inté

Lázaro disse...

Lido e incomodado...
... porque precisamos perguntar? Você falou em proteção durante a reunião, será que é necessário (ou mesmo possivel) se proteger. Se afetar nao seria mais, como dizer? Pós-moderno?

Karyne disse...

lido