Mostrando postagens com marcador Cartografia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cartografia. Mostrar todas as postagens

19 de mai. de 2008

Cartografia Sentimental - Cap III a VI

No seu livro Cartografia Sentimental, Rolnik explora a história das noivinhas. Sendo que no capítulo III ela as compara. Dando três possibilidades: o quanto se deixa roçar pelo mundo; o quanto se permite falar por afeto; e pelo tanto que cada uma consegue ampliar o alcance da força gerada no encontro. Essas três possibilidades são relacionadas, respectivamente, pelo tanto que cada uma consegue aproveitar, cuidar da força gerada no encontro (o dos noivos) e sustentar essa força.
A autora remete-nos ao fator de afetivação em relação as noivinhas. E primeiramente, podemos considerar “o corpo sem órgãos e não o corpo orgânico, com seus significados a priori: corpo que vê e é visto pelo olho” (pág. 45) para afirmar, de certo modo, que a natureza do corpo de cada uma é dada pelos agenciamentos que faz, como práticas afetivas, aventuras, riscos. E seria assim o quanto a noivinha, ou qualquer outro ator, se deixa roçar pelo mundo, afetando e se deixando afetar.
Em segunda instância fala-se do quanto se permite falar por afeto. E que na verdade o mais importante dessa possibilidade é fazer passar os afetos. Até porque para Rolnik “fazer passar os afetos: é isso que parece gerar brilho.” (pág. 46). Há também a diferenciação pelo tanto que cada uma consegue ampliar o alcance da força gerada no encontro fazendo a atração, a força, um campo magnético. Que será cuidado por muito tempo.
Quanto as Linhas de vida, termo de Deleuze, e que pode ser entendido como um desenho mais abstrato e que delineiam movimentos de desejo, são três e compuseram o destino das noivinhas. A primeira linha, a linha dos afetos, é invisível e inconsciente. Pode ser entendida também como um fluxo que nasce entre os corpos. Possuindo, de alguma forma, longitude e latitude. Como ela é um fluxo, para estancá-la, só fingindo. Fingindo e indo a outros encontros. Já que ao longo da vida eles são inúmeros. O fingimento em questão salva alguns encontros. E desse modo temos afetos que escapam. E esses afetos escapantes traçam linhas de fuga.
A segunda linha é a linha de simulação. Que corresponde a um vaivém, a um duplo traçado. Que de certa forma se dá inconsciente e ilimitado. Tendo dois traçados, precisamos identificá-los. Então o primeiro é o da territorialização, que fala da produção de afetos para composição de territórios. Já o segundo é o da desterritorialização, que remete a algo que vai dos territórios para os afetos escapando. De alguma forma por essa linha da simulação temos um momento de oscilação: de crise e encantamento. Pra este há algo irreconhecível, de estranhamento e com perda de sentido. Entretanto, para aquele é onde isso vinga e há um reconhecimento, uma familiaridade e até uma oscilação.
Mas de algum modo estamos num caminho difícil de caminhar. Essa oscilação gera angústia, com três fases: ontológica, existencial e psicológica. E essa angustia vai tentar abolir a ambigüidade, e ela define as diferentes estratégias do desejo. Por ser, para a angustia, a face ontológica o medo de morrer, a existencial o medo de fracassar e a psicológica o medo de enlouquecer. Desse modo as estratégias de desejo estão relacionadas a essas três faces. De algum modo a angustia faz com que os desejos tracem estratégias para vingarem.
A terceira, e ultima, linha de vida é a linha dos territórios. Vale ressaltar, então, que a linha anterior nada mais é que o “meio termo” entre a primeira e a terceira. Essa que é finita, visível e consciente. E que pode ser caracterizada como o campo de visão, o plano da representação, algo como uma espécie de desenho. “De qualquer maneira, seja qual for o movimento pelo qual nos introduzimos na abordagem do desejo, sempre encontramos, ao mesmo tempo, os outros dois movimentos. Não há simulação (2º movimento) que não implique, simultaneamente, por um lado, atração ou repulsa de corpos gerando afetos (1º movimento) e, por outro, formação de territórios (3º movimento). Assim como não há território (3º movimento) que não seja trabalhado por desterritorializações, operadas por afetos que lhe escapam, nascidos do encontro com outros corpos ou com os mesmo corpos, que se tornaram outros: linhas de fuga (1º movimento). Como tampouco há linhas de fuga de afetos (1º movimento) que não tentem se simular (2º movimento) e agenciar matérias para a constituição de território (3º movimento), a ponto de nem dar para dizer quem vem primeiro.” (págs. 52/53). E portanto, se nem dar para dizer quem vem primeiro é necessário que o corpo vibrátil sinta esse limiar.
Outro ponto importante para Rolnik é o de que só há real social. E ela afirma que não existe sociedade que não seja feita de investimentos de desejo nesta ou naquela direção, com esta ou aquela estratégia e , reciprocamente, não existem investimentos de desejo que não sejam os próprios movimentos de atualização de um certo tipo de prática e discurso, ou seja, atualização de um certo tipo de sociedade.

18 de mai. de 2008

A prática do cartógrafo e a influência psicanalista

Rolnik, no capítulo VII de seu livro Cartografia Sentimental, indaga sobre a prática de um cartógrafo, que deve estar atento às estratégias do desejo, em qualquer que seja o fenômeno da existência humana, não importando as referências teóricas. O cartógrafo absorve matérias de expressão de qualquer procedência para compor suas cartografias, já que: "Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas" (pág.66). Seu critério de escolha é qualquer que seja a matéria de expressão que possibilite da linguagem facilitar a passagem das intensidades que percorrem o corpo no momento do encontro dos corpos. A linguagem promove a criação de mundos e além da transição para novos mundos.

Tendo em vista que a função do cartógrafo é compor territórios existenciais, ou seja, construir realidades, ele luta muito mais com o entre estar vitalizante ou destrutivo e ativo ou reativo, do que o dito falso ou verdadeiro e teórico ou empírico. O cartógrafo não teme o movimento, vibra e encontra vias para a existencialização. E os procedimentos não importam, pois quaisquer que sejam eles, inventa-se em função do contexto, não seguindo nenhum protocolo normalizado. O perfil do cartógrafo é definido de acordo com sua sensibilidade, e assim podemos afirmar que ele se utiliza de um composto hibrido, o olho e o corpo vibrátil. Ele apreende o movimento do que acontece entre o fluxo de intensidades e a representação. O fluxo é o que escapa do plano da organização de território, desestabilizando representações desestabilizando representaçe o floxo e as intensidadese encontrar sempre ; e estes, de forma contrária, estancam os fluxos, canalizam as intensidades e dão sentido a essas intensidades. Este movimento de tensão é o desafio permanente do cartógrafo, que se equipara, por sua vez, a coexistência do macro e micropilítica que são complementares e indissociáveis. É esse movimento que se formam inúmeras estratégias da coexistências e mundos desses dois blocos.

Mas de qualquer forma, Rolnik se pergunta: que tipo de equipamento o cartógrafo leva a campo? A autora explica que o manual desse desbravador, existe um critério, um princípio, uma regra e um breve roteiro de preocupações, que se definem e redefinem constantemente. No que diz respeito ao critério utilizado, é o grau de intimidade ou o grau de abertura para a vida que cada cartógrafo se permite a cada momento. Sobre o princípio, este é extramoral, ou melhor dizendo, o princípio é um antiprincípio, pois o parâmetro para tanto é a expansão da vida ou o quanto em meio às situações da vida encontra formas para efetuação e para isso estes princípios que devem estar sempre mudando, devem ser vitais e não morais. A regra estará sempre em nome da vida e daí são diversas as estratégias inventadas, mas que devem respeitar um limite suportável, de acordo com o momento e a intimidade. Trata-se de um limiar de tolerância para a desorientação e reorientação de afetos, ou seja, para a desterritorialização. A avaliação desse limiar de desencatamento (o mesmo de limiar de tolerância) é saber o quanto se suporta em cada situação, a partir das máscaras que possui, no momento de perda de sentido e desilusão, em que existem afetos recém-surgidos que precisam ser liberados. É nesse momento que se inventam ou buscam matérias de expressão e se criam novas máscaras, novos sentidos. A regra do limiar de desencantamento, é uma regra de prudência que permite discriminaros graus de perigo e de potência.

Então, percebe-se que a prática do cártografo se encontra no espaço de exercício ativo das estratégias das formações de desejo no campo social, de emergência de intensidades, de incubação de novas sensibilidades e linguas. A análise do desejo, nesse viés, é a forma de escolher como viver, dos critérios com os quais o social se inventa. Por isso a prática do cartógrafo é também política , sendo que não envolvida num jogo do poder com relações de soberania ou dominação, nem está alçada na lógica da macropolítica que é da totalidade, identidade, entre outros. Mas com a micropolítica, que está relacionada às técnicas de subjetivação, ou estratégias de produção de subjetividade, uma dimensão fundamental da produção e reprodução do sistema. Também não significa dizer que a prática do cartógrafo na análise do desejo seja da libertação desse desejo, como se fosse algo natural. Ao contrário, o desejo nada mais é do que artifício que associa afeto e linguagem na configuração de existências singulares. O que o cartógrafo faz, então, é a ampliação do alcance do desejo, potencializa-o participando da produção da sociedade ou criação de mundos tanto quanto necessários para facilitar a passagem das intesidades geradas nos encontros aletórios vivenciados no cotidiano.

A atividade do cartógrafo, além de política, é ética e daí o princípio para esta função ser um antiprincípio, pois não envolve a moral em suas andanças. Ele, o cartógrafo, nada tem a ver com os mundos que se criam, mas com o cuidado ao escutar as vidas expostas. A ele não cabe sustentar valores ou qualquer coisa que seja, mas a vida e seu movimento de expanção. Quanto às possibilidades dessa prática cartográfica, existem algumas facetas ou máscaras com nomes respectivos, que variam de acordo com as necessidades estratégicas a que se está envolvido. São pelo menos cinco nomes indicados por Rolnik: cartógrafo (já conhecido) mesmo como aquele que não revela os sentidos, mas os cria, através dos olhos e corpo vibratil; psicólogo social quanto a indissociabilidade entre o psíquico e o social; micropolítico pelo caráter político e pela função de análise da produção de subjetividade; analista do desejo por sua pártica estar associada ao do psicanalista, no trabalho da escuta; e por fim o esquizoanalista que, não por fazer apologia ao esquizofrênico, mas pela análise do desejo ser também uma análise das linhas de fuga, linhas esquizo por onde desmancham os territórios. Nesse sentido, tenta-se alertar para que a análise do desejo não se reduza a uma representação do ego ou unidade de pessoa, à escuta pelo olho e àquilo que ele alcança.

Rolnik destaca o capítulo VIII a influência do psicanalista na função do cartógrafo, melhor dizendo, a cartografia nasce com a psicanálise ao existir um espaço que inicia o exercício do pensamento como produção de cartografia. Com isso ocorre um movimento de ruptura do exercício do pensamento tradicional ocidental, que no caso está envolvido com a busca pela verdade e por um pensamento marcado pela enfase no macro, na representação. Foi a partir de Freud que foi possível o pensamento acessar o corpo vibratil e a micropolítica das desterritorializações e simulações. Ele introduziu uma prática de iniciação ao pensamento que emerge do movimento invisível dos afetos ao possibilitar seu acesso através da linguagem. Dessa forma a desterritorialização é vivida não como uma carência ou ameaça, mas uma invenção. Ao pensamento é aberta a possibilidade de ultrapassar os limites do visível e participar da processualidade de elaboração de cartografias e constituição de sentido, em meio às linhas de fuga, inventando saídas a cada momento que existem impasses de sentido. No final das contas, a maior colaboração que Freud pode dar a tal exercício foi, não no repertório (que é datado), ou nos procedimentos (que são meros rituais esvaziados de sentido), mas a escuta de cartógrafo.

Enfim, a análise do desejo é um exercício de criação de um campo que se possa conquistar intimidade, vivenciando e reconhecendo as formas de resistência à intimidade que é sabotada pelas estratégias que o desejo monta, que nada mais são do que desperdício de vida. Coragem é vivenciar os vácuos de território, afrontar as rupturas de sentido, sem recorrer aos velhos vícios e buscar matérias de expressão para administrar as partículas de afeto enloquecidas, dando-lhes sentido. Ao administrar tais partículas, fazer um plano de consistência, fazer a passagem dessas intesidades e descobrir que não existe rosto atrás da máscara, ou seja, não existe verdade. Existe é a necessidade de criar novas máscaras. Quem não enfrenta as desterritorializações e encaram o processo reterritorializar com novas máscaras é porque não tem vontade de nada, ou seja, a morte, ou mesmo a loucura, que são o resultado da impossibilidade de não enfrentar o vazio.
Enfrentar e viver a repetição de tudo isso é poder saber/sentir que dá para conviver com o finito ilimitado. Por isso a análise e ilimitada, porque ilimitado é o movimento de simulação. Mas nem por isso a relação analista/analisando deixa de ser limitado, pois se aceita o caráter ilimitado da análise em decorrência da ilimitada produção de universos, sempre finitos, que são os desejos. Além disso, o psicanalista cartógrafo deve saber que seu campo, por ser atravessado por correntes coletivas de sensibilidade, mundos em transformação, não pode grudar em mundo algum como parâmetro para sua escuta, pois os modos de produção de subjetividade mudam de acordo com os tempos na história.