18 de mai. de 2008

A prática do cartógrafo e a influência psicanalista

Rolnik, no capítulo VII de seu livro Cartografia Sentimental, indaga sobre a prática de um cartógrafo, que deve estar atento às estratégias do desejo, em qualquer que seja o fenômeno da existência humana, não importando as referências teóricas. O cartógrafo absorve matérias de expressão de qualquer procedência para compor suas cartografias, já que: "Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas" (pág.66). Seu critério de escolha é qualquer que seja a matéria de expressão que possibilite da linguagem facilitar a passagem das intensidades que percorrem o corpo no momento do encontro dos corpos. A linguagem promove a criação de mundos e além da transição para novos mundos.

Tendo em vista que a função do cartógrafo é compor territórios existenciais, ou seja, construir realidades, ele luta muito mais com o entre estar vitalizante ou destrutivo e ativo ou reativo, do que o dito falso ou verdadeiro e teórico ou empírico. O cartógrafo não teme o movimento, vibra e encontra vias para a existencialização. E os procedimentos não importam, pois quaisquer que sejam eles, inventa-se em função do contexto, não seguindo nenhum protocolo normalizado. O perfil do cartógrafo é definido de acordo com sua sensibilidade, e assim podemos afirmar que ele se utiliza de um composto hibrido, o olho e o corpo vibrátil. Ele apreende o movimento do que acontece entre o fluxo de intensidades e a representação. O fluxo é o que escapa do plano da organização de território, desestabilizando representações desestabilizando representaçe o floxo e as intensidadese encontrar sempre ; e estes, de forma contrária, estancam os fluxos, canalizam as intensidades e dão sentido a essas intensidades. Este movimento de tensão é o desafio permanente do cartógrafo, que se equipara, por sua vez, a coexistência do macro e micropilítica que são complementares e indissociáveis. É esse movimento que se formam inúmeras estratégias da coexistências e mundos desses dois blocos.

Mas de qualquer forma, Rolnik se pergunta: que tipo de equipamento o cartógrafo leva a campo? A autora explica que o manual desse desbravador, existe um critério, um princípio, uma regra e um breve roteiro de preocupações, que se definem e redefinem constantemente. No que diz respeito ao critério utilizado, é o grau de intimidade ou o grau de abertura para a vida que cada cartógrafo se permite a cada momento. Sobre o princípio, este é extramoral, ou melhor dizendo, o princípio é um antiprincípio, pois o parâmetro para tanto é a expansão da vida ou o quanto em meio às situações da vida encontra formas para efetuação e para isso estes princípios que devem estar sempre mudando, devem ser vitais e não morais. A regra estará sempre em nome da vida e daí são diversas as estratégias inventadas, mas que devem respeitar um limite suportável, de acordo com o momento e a intimidade. Trata-se de um limiar de tolerância para a desorientação e reorientação de afetos, ou seja, para a desterritorialização. A avaliação desse limiar de desencatamento (o mesmo de limiar de tolerância) é saber o quanto se suporta em cada situação, a partir das máscaras que possui, no momento de perda de sentido e desilusão, em que existem afetos recém-surgidos que precisam ser liberados. É nesse momento que se inventam ou buscam matérias de expressão e se criam novas máscaras, novos sentidos. A regra do limiar de desencantamento, é uma regra de prudência que permite discriminaros graus de perigo e de potência.

Então, percebe-se que a prática do cártografo se encontra no espaço de exercício ativo das estratégias das formações de desejo no campo social, de emergência de intensidades, de incubação de novas sensibilidades e linguas. A análise do desejo, nesse viés, é a forma de escolher como viver, dos critérios com os quais o social se inventa. Por isso a prática do cartógrafo é também política , sendo que não envolvida num jogo do poder com relações de soberania ou dominação, nem está alçada na lógica da macropolítica que é da totalidade, identidade, entre outros. Mas com a micropolítica, que está relacionada às técnicas de subjetivação, ou estratégias de produção de subjetividade, uma dimensão fundamental da produção e reprodução do sistema. Também não significa dizer que a prática do cartógrafo na análise do desejo seja da libertação desse desejo, como se fosse algo natural. Ao contrário, o desejo nada mais é do que artifício que associa afeto e linguagem na configuração de existências singulares. O que o cartógrafo faz, então, é a ampliação do alcance do desejo, potencializa-o participando da produção da sociedade ou criação de mundos tanto quanto necessários para facilitar a passagem das intesidades geradas nos encontros aletórios vivenciados no cotidiano.

A atividade do cartógrafo, além de política, é ética e daí o princípio para esta função ser um antiprincípio, pois não envolve a moral em suas andanças. Ele, o cartógrafo, nada tem a ver com os mundos que se criam, mas com o cuidado ao escutar as vidas expostas. A ele não cabe sustentar valores ou qualquer coisa que seja, mas a vida e seu movimento de expanção. Quanto às possibilidades dessa prática cartográfica, existem algumas facetas ou máscaras com nomes respectivos, que variam de acordo com as necessidades estratégicas a que se está envolvido. São pelo menos cinco nomes indicados por Rolnik: cartógrafo (já conhecido) mesmo como aquele que não revela os sentidos, mas os cria, através dos olhos e corpo vibratil; psicólogo social quanto a indissociabilidade entre o psíquico e o social; micropolítico pelo caráter político e pela função de análise da produção de subjetividade; analista do desejo por sua pártica estar associada ao do psicanalista, no trabalho da escuta; e por fim o esquizoanalista que, não por fazer apologia ao esquizofrênico, mas pela análise do desejo ser também uma análise das linhas de fuga, linhas esquizo por onde desmancham os territórios. Nesse sentido, tenta-se alertar para que a análise do desejo não se reduza a uma representação do ego ou unidade de pessoa, à escuta pelo olho e àquilo que ele alcança.

Rolnik destaca o capítulo VIII a influência do psicanalista na função do cartógrafo, melhor dizendo, a cartografia nasce com a psicanálise ao existir um espaço que inicia o exercício do pensamento como produção de cartografia. Com isso ocorre um movimento de ruptura do exercício do pensamento tradicional ocidental, que no caso está envolvido com a busca pela verdade e por um pensamento marcado pela enfase no macro, na representação. Foi a partir de Freud que foi possível o pensamento acessar o corpo vibratil e a micropolítica das desterritorializações e simulações. Ele introduziu uma prática de iniciação ao pensamento que emerge do movimento invisível dos afetos ao possibilitar seu acesso através da linguagem. Dessa forma a desterritorialização é vivida não como uma carência ou ameaça, mas uma invenção. Ao pensamento é aberta a possibilidade de ultrapassar os limites do visível e participar da processualidade de elaboração de cartografias e constituição de sentido, em meio às linhas de fuga, inventando saídas a cada momento que existem impasses de sentido. No final das contas, a maior colaboração que Freud pode dar a tal exercício foi, não no repertório (que é datado), ou nos procedimentos (que são meros rituais esvaziados de sentido), mas a escuta de cartógrafo.

Enfim, a análise do desejo é um exercício de criação de um campo que se possa conquistar intimidade, vivenciando e reconhecendo as formas de resistência à intimidade que é sabotada pelas estratégias que o desejo monta, que nada mais são do que desperdício de vida. Coragem é vivenciar os vácuos de território, afrontar as rupturas de sentido, sem recorrer aos velhos vícios e buscar matérias de expressão para administrar as partículas de afeto enloquecidas, dando-lhes sentido. Ao administrar tais partículas, fazer um plano de consistência, fazer a passagem dessas intesidades e descobrir que não existe rosto atrás da máscara, ou seja, não existe verdade. Existe é a necessidade de criar novas máscaras. Quem não enfrenta as desterritorializações e encaram o processo reterritorializar com novas máscaras é porque não tem vontade de nada, ou seja, a morte, ou mesmo a loucura, que são o resultado da impossibilidade de não enfrentar o vazio.
Enfrentar e viver a repetição de tudo isso é poder saber/sentir que dá para conviver com o finito ilimitado. Por isso a análise e ilimitada, porque ilimitado é o movimento de simulação. Mas nem por isso a relação analista/analisando deixa de ser limitado, pois se aceita o caráter ilimitado da análise em decorrência da ilimitada produção de universos, sempre finitos, que são os desejos. Além disso, o psicanalista cartógrafo deve saber que seu campo, por ser atravessado por correntes coletivas de sensibilidade, mundos em transformação, não pode grudar em mundo algum como parâmetro para sua escuta, pois os modos de produção de subjetividade mudam de acordo com os tempos na história.

2 comentários:

Kleber disse...

uma frase ou outra, colocaqui de outro modo. mas isso tem pouca importância. importa cartografar. essa é a urgência do nosso trabalho. a ele então. abraço.

O Mestre disse...

o blog de vcs é excelente! Parabéns! Gostaria de segui-los para que pudesse receber as postagens novas de vocês e ter acesso ao conteúdo do blog diretamente no meu. Para minha lástima não encontrei o acessório de "seguir" no blog.
Ainda assim, tentarei vir sempre.