27 de jul. de 2007

Configurações do social

Andressa num comentário nesse blog, requeria de nós, uma definição de genealogia.
Fiz comentário dizendo que a genealogia pode ser entendida como uma metodologia que analisa como as coisas acontecem. Aqui nesse texto estou a tratar disso. Como para Rosane Neves da Silva o social aconteceu no mundo ocidental. Essa genealogia do social é fundamental para a compreensão da tese da invenção da psicologia social, que é a proposição do livro que estamos a discutir.
Pois bem, para Rosane “... a invenção do social implica um modo de intervenção que se distingue das relações informais entre os membros da sociedade em questão” (18p.). Isso significa que o social seria uma dimensão distinta das relações informais, mas estaria voltado para a administração de algo que acontece nessas relações. Por isso ela acentua a questão do modo de intervenção. Resumindo; a invenção de uma forma para lidar com a informalidade.
O desdobramento seguinte dessa afirmação é que essa ação que se volta para questões das relações informais, necessita assumir uma feição que lhe garanta o reconhecimento dessa modalidade de intervenção. Então, para Rosane, o social inventado requer uma configuração que se estabeleça, digamos assim, como sua política.
Ressalta que “É importante assinalar que, quando colocamos a idéia de configuração do social, não temos a intenção de precisar a origem das mesmas em termos cronológicos. As configurações são tomadas aqui como a superfície de inscrição de um conjunto de práticas que adquirem consistência em um determinado momento, ... (e que) traduzem um certo arranjo entre estratégias de poder e as técnicas de subjetivação”(SILVA, 2005, 18 p.).

Rosane então passa a apresentar duas configurações dessas estratégias de poder e técnicas de subjetivação que configuram o que ela está chamando de social. Nessa análise, ela vai se valer de dois importantes historiadores: Robert Castel e Jacques Donzelot. Por sinal esse segundo escreveu A polícia das famílias. Ótimo livro. Vale conferir quando houver oportunidade.

Bem, sobre a 1ª configuração do social, Rosane diz tratar-se de um modelo social-assistencial, que teria função de proteger e integrar segmentos da população carente. Condição para integração nesse social; pertencer a comunidade que estivesse em questão. Rosane afirma que para Castel, esse modelo inventado por volta do século XIII, buscava uma gestão racional da indigência e se dava em associação com a Igreja Católica.

Diante dessa colocação, ela conclui que o primeira configuração do social tinha uma dimensão "estritamente espacial", ou seja, lidava apenas com aquilo que estava restrito ao local de atuação da sua política.
Já com Donzelot, Rosane vai dizer que somente a partir da metade do século XIX, é que se pode falar da emergência de uma questão social. Esse aparecimento estaria diretamente relacionado a experiência republicana, que fez aparecer essa problemática, pois por princípio “concede uma soberania igual a todos, e um princípio que estimula uma liberalização do mercado”. Há aí uma incompatibilidade dos princípios, de um Estado que precisa garantir livre acesso ao trabalho e ao mesmo tempo, obrigado a recusar a responsabilidade de assegurar o trabalho a todos.
Em cena são colocadas duas noções de Estado (1848): o Estado empregador e o Estado regulador das relações de produção. Desse modo, o problema colocado é que para o liberalismo o direito ao trabalho ameaça a democracia.

Daí emerge a 2ª configuração do social, que vai tratar da relação entre trabalho e pauperismo, já caracterizado pelos modos de produção capitalista. Diz Rosane Silva que “... a problematização do social resulta de uma fratura entre uma ordem jurídico política fundada sobre a igual soberania de todos, e uma ordem econômica que acarreta um aumento da miséria” (2205, 23 p.)
Essa cisão marca um outro lugar para o social, onde com o capitalismo industrial, a riqueza e a miséria aumentam de modo proporcional. Aparece então um Social que é a intersecção entre político e econômico e busca neutralizar o contraste entre "imaginário político moderno com a dura realidade da sociedade civil”(SILVA, 2005, 24 p.).

Como pano de fundo, a necessidade de mascaramento da realidade social. As multidões apareciam como um fenômeno e demandavam uma administração. Requeriam pela racionalidade de então um modo de administração. O social se torna objeto do conhecimento. “Aí reside a principal diferença com relação a primeira configuração: a objetivação do social enquanto um novo domínio de saber” (SILVA, 2005, 26 p.).
Saber também em processo de invenção. Saber que vai buscar objetivar o social e o indivíduo, mas isso são desdobramentos para uma nova postagem,

11 comentários:

Kleber disse...

Gente, demorei a postar, pois uma estranha virose postou-se em mim. Não encerrei o capítulo. Tem muita coisa a falar dele. Assim, os seguintes ficam na fila. Qualquer coisa, dediquem as Cartografias. Abraço!

Técnicos, educadores e educandos do CRAS Enedina Bomfim disse...

Está lido!Assim que reler e formar uma opiniao, comentarei algo construtivo de preferencia=)

Andressa disse...

Muito interessante a postagem Kleber. Consegui ver com mais clareza oq estava lendo, coisa q não tinha até então na postagem anterior. Bem, fiquei me perguntando, pq na primeira configuração deo Social, dada por Castel, modelo assistencial, não se poderia ter assumido a postura de objetivar o social como um ramo de conhecimento, diante da dúvida que surgisse da incompatibilidade, Estado empregador e Estado regulador? Quer dizer, apesar dessa posição fatídica e cômoda do Estado, de mesmo "querendo empregar" não poder para não desobedecer o princípio do liberalismo, não surgiria a dúvida que mencionei em qq historiador, teórico, pensador, entre outros interessados, até mesmo o povo? Afinal, hj mesmo q se veja tanto o povo sofrendo com esse antagonismo, fica um tanto calado, acuado, reprimido... aí penso que a segunda configuração fez seu dever de casa, ou seja, um certo mascaramento para que possa lidar com o povo como indivíduos e de maneira a manipular o subjetivo dos mesmos.
Pelo visto a tal dúvida, indagação, questionamento cabida a certos especialistas não chegariam, já que não seria interessante a quem quer usufruísse do contrário, de fato, administrar essa massa populacional. No caso, só caberia a própria massa pensar sobre si mesma, não é? Isso que chamamos de autogestão.
Bom, não querendo delongar demias, se não viajo... hehehe
Inté

ana maria disse...

me parece que fala de muita coisa ao mesmo tempo esse texto... do social no foco político, econômico, democrático, de classes, do trabalho, das pessoas, do saber, do conhecimento... algumas horas fiquei meio perdida com as informações. Talvez por procurar por uma cronologia de transformações que talvez seja impossível. Mas vou me acostumando....

fiquei com uma dúvida na frase: "o problema colocado é que para o liberalismo o direito ao trabalho ameaça a democracia". mas um dos princípios ao liberalismo não é que as pessoas devem alcançar seus méritos através do trabalho? como o trabalho ameaçaria a democracria então? alguém me ajude....

bjos

Herica França disse...

Na leitura deste, pensei em como é "engraçada" e um tanto assustadora a idéia de uma invenção do social implicando em uma intervençao para administrar algo que acontece na relações informais... ou seja... a invençao de um controle para controlar aquilo que se está fora de controle, no caso as relaçoes informais!!
Acho que viajei...
até amanhã!
=**

Kleber disse...

Ligia, o texto fala de uma cronologia. Primeira configuração; segunda configuração. Entre uma e outra; algo em torno de 500 anos de história. Muita coisa acontecendo, mas o que vai mudar substancialmente o modo de intervenção, é a transformação no caráter da "assistência". Na primeira configuração, assistia-se aos invalidos, na segunda, essa invalidez se transforma num peso para o indivíduo carregar.
O liberalismo não é contra o trabalho, ao contrário, ele é favorável. Ele é contrário ao DIREITO ao trabalho.
Para os liberais não se pode gastar energia e dinheiro pensando como as pessoas vão ingressar e se manterc no mundo do trabalho. Elas é quem devem se virar.
Lembra do texto do Nicolau Sevcenko? O presentismo? A coisa caminharia por ali.
Acho que é uma leitura que vo6 poderiam recuperar.
Abraço!
Quanto

Técnicos, educadores e educandos do CRAS Enedina Bomfim disse...

Queria entender primeiro porque o social aconteceu no mundo ocidental, ou seja, ele foi criado aqui e depois transportado pro oriente, ou não? Como acontece isso?

Enfim, partindo para a divisão do social, a primeira configuração, apesar do caráter assistencialista, parece favorecer muito mais a todos, já que incluía os carentes... Só não sei bem se essa forma de assistir, proteger e integrar a população carente é apenas assistência ou se é, sim uma nova forma de controle. Uma das formas de controle a que se propunha a invenção do social.

Já na segunda configuração essa assistência para de existir, e cada um por si, o controle então agora se daria de forma que cada indivíduo sentindo o peso da invalidez e a necessidade de se adequar a atual lógica capitalista. A idéia do presentismo entraria aqui? Mas como? No sentido do mal do presentismo? Como se houvesse a necessidade de atuar no presente sem se preocupar com o futuro?

Kleber disse...

Vanessa, não consigo v~e sentidos bons no presentismo. Talvez o único seja participar dele, já que isso não pode ser categorizado como uma opção.
Mas vamos para aquilo que é fundamental no seu questionamento.
A história oficial desse planeta está hoje presa a versão ocidental, por mais que as civilizações orientais tenham milênios de cultura inscrita.
O liberalismo tem muito a ver com isso. Talvez a primeira consiguração do social possa ser compartilhada com mutos grupos ou organizações grupais extra-ocidente.
A segunda não. Tanto que Donzelot marca apenas essa.
Na primeira, a lógica era não deixar morrer a míngua aquele que lhe está próximo. Algo que funcionaria como uma esmola que se dá hoje.´Se há bondade nisso, creio que ela se encontra no limite da dignidade, que é manter sobrevivendo o que está vivo. Assim, se numa comunidade havia alguns desaparados, produzia-se uma INTERVENÇÃO de amparo.
Já a 2a configuração é a marca próxima ao tempo e não somente ao espaço. É a marca daquilo que quer se impor em qualquer parte, pois sabe que há um inimigo, mesmo que desconhecido. É a marca da competição efetiva, pois o competidor que não existia antes, agora está vivo e com sede. Seu nome: o indivíduo.
Esse cara foi sendo INVENTADO entre uma configuração e outra. A partir da segunda ele pode ser objetivado, medido, esquadrinhado, configurado e reconfigurado. A história do saber. É aí que surgem a grande maioria dos conhecimentos formais que vão tentar nutrir e manter esse cara. A psicologia inclusive.
é por aí.
abraço!

Anônimo disse...

(Mostrando trabalho :p)

Tem uma parte do texto em que fiquei com uma dúvida..

Quando a autora diz que o progresso material implica numa renúncia do exercício de soberania dos indivíduos..esse termo soberania que ela usa..tem relação com o quê?

Me pareceu, quando li uma citação do Donzelot na mesma página, que teria uma relação com a liberdade..

Mas eu não consegui relacionar a soberania (ou a liberdade) com a segunda configuração..será que é porque para crescer e se manter dentro do social, tem-se que renunciar à 'liberdade' e se submeter às determinações do sistema capitalista?

Então, o indíviduo tem que abandonar sua soberania para não se encontrar nesse vazio que ela diz existir entre as ordens política e econômica onde ficam aqueles que estão à margem do sistema..

??

E essa questão de que, só depois da segunda configuração o social se tornou um objeto de conhecimento..seria porque é somente nesse momento que a intervenção precisa ser pensada e controlada..

O que me parece é que no primeiro momento as coisas seguiam uma ordem natural..o indivíduo participava do social, formava suas relações, e, depois de tanto contribuir, precisava ser ajudado para continuar inserido nele.

Só que no segundo momento, aqueles que precisam da intervenção, não são incapazes de contribuir..eles, na verdade, não estão adaptados às condições que foram impostas..eles são os que acabam formando as multidões, citadas pela autora, que ameaçam a ordem, por isso o social passa a ser tratado de outra maneira

É como se uma ordem natural fosse interrompida e precisasse ser repensada para que a coesão social se mantenha..

É isso..
:D

Anônimo disse...

bom comeco

GABRIEL BORGES disse...

Excelente esse blog